Alexandra Andrade | Entrevista Exclusiva Jornal de Negócios – GWoF 2024

21 Outubro, 2024

Embora alinhado com as tendências globais no que toca ao impacto do recurso à inteligência artificial no mundo do trabalho, Portugal fica muito atrás da média na formação e competências, contando com uma percentagem diminuta de colaboradores “preparados para o futuro”, conclui um estudo levado a cabo pelo Grupo Adecco a partir de um inquérito a 35 mil trabalhadores de 23 países, incluindo Portugal, abrangendo duas dezenas de setores.

Numa entrevista, por escrito, ao Negócios, a “country manager” da Adecco Portugal, Alexandra Andrade, diz que os resultados do país revelam “um alinhamento com as tendências globais”, mas ressalva também que há “diferenças significativas”. E exemplifica: “A nível global observamos uma crescente ansiedade entre os colaboradores relativamente à automação e à inteligência artificial, e essa preocupação é igualmente sentida em Portugal, mas com um desafio particular que enfrentamos que é a falta de preparação em termos de competências digitais. Em Portugal, apenas 14% dos inquiridos completaram formação em como aplicar a IA no trabalho versus a média global de 25%” e “a média de 41% de países como a China, Suíça e Bélgica.

“Em Portugal, encontramos um estádio intermédio na adoção da IA. As empresas estão a integrar tecnologias de IA em vários níveis, mas muitas ainda se encontram na fase de exploração, sem uma implementação robusta”, diz a “número 1” do grupo de recursos humanos no país, apoiando-se nos dados do inquérito que mostram que “embora exista entusiasmo, a verdadeira transformação digital ainda está por vir”.

E “puxa” dos números: “Apenas 11% dos colaboradores são considerados ‘preparados para o futuro'”, mostrando-se “adaptáveis,’tech-savvy’, e proativos na sua formação”, versus 3% em Portugal”. Neste sentido, como se extrai do estudo, “as empresas devem investir mais na criação deste tipo de talento, oferecendo planos de desenvolvimento personalizados e formação contínua. As organizações precisam passar da experimentação para a integração real, onde a IA não seja apenas uma ferramenta, mas uma parte central da cultura empresarial”.

“A falta de uma estratégia clara e de formação adequada ainda representa um obstáculo significativo à plena adoção da IA nas empresas”, enfatiza. Alexandra Andrade sublinha que “as preocupações mais prementes incluem a segurança no emprego, a adequação das competências e o aumento da pressão para acompanhar um ambiente de trabalho em rápida evolução”, com quase 93% dos trabalhadores a expressarem receio sobre a sua posição no futuro, o que “é compreensível, dado o ritmo acelerado da transformação tecnológica”. Em paralelo, “muitos sentem que a formação atual não é suficiente para lidar com a evolução das suas funções”, o que resulta num “círculo vicioso”: “quanto mais insegurança sentem, menos propensos estão a envolver-se em iniciativas de requalificação, acentuando a necessidade de as empresas adotarem uma abordagem proativa”. Além disso, aponta, “quando a segurança psicológica diminui, há menos espaço para a criatividade e uma maior resistência em adotar tecnologias que possam ser vistas como uma ameaça ao emprego”.

Potencial por aproveitar

À luz do relatório “Global Workforce of the Future”, muitas das atividades mais suscetíveis à automatização estão nas áreas administrativa, financeira e de gestão, com profissões como analistas financeiros e economistas a estarem particularmente expostas a essas mudanças, refere a mesma responsável, sinalizando que setores como serviços financeiros, produção e logística, bens de consumo, retalho e tecnologia limpa apresentam “grande potencial para a transformação através da IA”.

No caso português, Alexandra Andrade diz que os setores que podem beneficiar mais da implementação da IA incluem a indústria transformadora, os transportes, a mobilidade, o setor automóvel e áreas como aeroespacial e defesa.

“O estudo também aponta que uma parte significativa das empresas acredita que a IA irá revolucionar os seus setores, prevendo um impacto económico considerável até 2030. Portanto, a adoção da IA nestes setores pode não apenas otimizar processos, mas também aumentar a competitividade e a eficiência das empresas em Portugal”, complementa.

Para a “country manager” da Adecco, “embora algumas empresas em Portugal tenham iniciado o caminho para a transformação digital, a maioria ainda não está a fazer o suficiente”. “Dados do estudo mostram que uma parte significativa das organizações opta por contratar talento externo com competências específicas, em vez de investir no desenvolvimento interno. Isso não só representa uma falha de estratégia, mas também um desperdício do potencial existente nas suas equipas”, realça.

Essa é, de resto, a posição da maioria dos inquiridos em Portugal (1.000 de diferentes idades, cargos e áreas de atividade), já que 85% se manifestou a favor de as empresas capacitarem os recursos humanos que têm em vez de recorrerem a talentos de fora, contra a percentagem de 76% a nível global.

Outra conclusão retirada do inquérito global aponta para uma elevada percentagem de trabalhadores que experienciaram “burnout” que sobe ainda mais entre os que se encontram preocupados com o impacto da IA e foram negativamente afetados por ela, o que, para Alexandra Andrade, deve ser “um sinal de alerta para as empresas portuguesas”. “Cerca de 40% dos colaboradores relataram ‘burnout’ nos últimos 12 meses, com este número a subir para 62% entre aqueles que se sentem preocupados com a IA. Este fenómeno não pode ser ignorado”, dado que “reflete a insegurança e a pressão associadas à rápida evolução tecnológica”.

“A falta de suporte emocional e formativo durante esta transição digital pode resultar num ambiente de trabalho tóxico e improdutivo”, pelo que “a segurança psicológica é um termo que deve ecoar e sobressair no seio corporativo”, sublinha

In Jornal de Negócios – Outubro 2024

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